A evolução do Seis Sigma
Cristina Werkema
O Seis Sigma é uma estratégia gerencial disciplinada e altamente
quantitativa, que tem como objetivo aumentar drasticamente a performance e a
lucratividade das empresas, por meio da melhoria da qualidade de produtos e
processos e do aumento da satisfação de clientes e consumidores.
Ele nasceu na Motorola, em 15 de janeiro de 1987, com o objetivo de tornar a
empresa capaz de enfrentar seus concorrentes, que fabricavam produtos de qualidade
superior a preços menores. O programa foi lançado em uma palestra
do CEO da empresa na época, Bob Galvin, divulgada em videoteipes e memorandos.
Já o "pai" dos conceitos e métodos do Seis Sigma foi
Bill Smith, um engenheiro e cientista que trabalhava no negócio de produtos
de comunicação da Motorola. Bob Galvin foi contagiado pela forte
convicção de Bill Smith quanto ao sucesso do Seis Sigma e então
criou as condições para que Bill colocasse o programa em prática
e o transformasse no principal componente da cultura da Motorola.
A partir de 1988, quando a Motorola foi agraciada com o Prêmio Nacional
da Qualidade Malcolm Baldrige, o Seis Sigma tornou-se conhecido como o programa
responsável pelo sucesso da organização. Com isso, outras
empresas, como a Asea Brown Boveri, AlliedSignal, General Electric, Kodak e
Sony passaram a utilizar com sucesso o programa e a divulgação
dos enormes ganhos alcançados por elas gerou um crescente interesse pelo
Seis Sigma. Podemos dizer que o Seis Sigma foi celebrizado pela GE, a partir
da divulgação, feita com destaque pelo CEO Jack Welch, dos expressivos
resultados financeiros obtidos pela empresa através da implantação
da metodologia (por exemplo, ganhos de 1,5 bilhão de dólares em
1999). Após a adoção pela GE, houve uma grande difusão
do programa.
No Brasil, a utilização do Seis Sigma está crescendo a
cada dia. As empresas cujas unidades de negócio no exterior implementaram
o Seis Sigma já há algum tempo - Motorola, ABB, Kodak e GE, por
exemplo - conhecem bem o programa e, usualmente, treinavam seus especialistas
fora do Brasil, por meio dos Master Black Belts da própria organização
ou de consultorias estrangeiras. Agora, grande parte dessas empresas já
está implementando o programa com o suporte de consultorias nacionais
ou de sua própria equipe de Master Black Belts e Black Belts. A partir
da divulgação dos resultados obtidos pelas primeiras empresas
multinacionais que adotaram o Seis Sigma, várias outras organizações
que não tinham qualquer tipo de experiência com o programa passaram
a utilizá-lo, já contando, desde o início, com o apoio
de consultores brasileiros e obtendo resultados expressivos. Os resultados das
organizações brasileiras que estão adotando o programa
têm superado o indicador "30 reais de ganho por real investido"
e há vários projetos Seis Sigma cujo retorno é da ordem
de 5 a 10 milhões de reais anuais.
O Seis Sigma já sofreu várias modificações desde
o início de sua utilização pela Motorola. Por exemplo,
o método DMAIC (Define, Measure, Analyze, Improve, Control) substituiu
o antigo método MAIC (Measure, Analyze, Improve, Control) como a abordagem
padrão para a condução dos projetos Seis Sigma de melhoria
de desempenho de produtos e processos. Além disso, outras técnicas
não-estatísticas, tais como as práticas do Lean Manufacturing,
foram integradas ao Seis Sigma, dando origem ao Lean Seis Sigma. Outra modificação
foi o surgimento do método DMADV (Define, Measure, Analyze, Design, Verify),
que é utilizado em projetos cujo escopo é o desenvolvimento de
novos produtos e processos.
O Seis Sigma está em contínuo aprimoramento, sendo possível
destacar as seguintes tendências principais em seu processo de evolução
e consolidação:
Ampliação do reconhecimento da sinergia entre o Seis Sigma e as
práticas do Lean Manufacturing, por meio da adoção do Lean
Seis Sigma.
Disseminação do Design for Six Sigma (DFSS) como uma extensão
do Seis Sigma para o projeto de novos produtos (bens ou serviços) e processos.
Crescente implementação em empresas que atuam na área de
prestação de serviços (setores de saúde, financeiro
e governamental, por exemplo) e nas áreas administrativas de organizações
industriais.
Aumento do número de médias e pequenas empresas que implementarão
o programa, adotando as adequações ou simplificações
necessárias à sua realidade empresarial.
O Lean Manufacturing é uma iniciativa que busca eliminar desperdícios,
isto é, excluir o que não tem valor para o cliente e imprimir
velocidade à empresa. Como o Lean pode ser aplicado em todo tipo de trabalho,
uma denominação mais apropriada é Lean Operations ou Lean
Enterprise. As origens do Lean Manufacturing remontam ao Sistema Toyota de Produção
(também conhecido como Produção Just-in-Time). O executivo
da Toyota Taiichi Ohno iniciou, na década de 50, a criação
e implantação de um sistema de produção cujo principal
foco era a identificação e a posterior eliminação
de desperdícios, com o objetivo de reduzir custos e aumentar a qualidade
e a velocidade de entrega do produto aos clientes.
O Sistema Toyota de Produção, por representar uma forma de produzir
cada vez mais com cada vez menos, foi denominado produção enxuta
(Lean Production ou Lean Manufacturing) por James P. Womack e Daniel T. Jones,
em seu livro "A Máquina que Mudou o Mundo1". Essa obra - publicada
em 1990 nos Estados Unidos com o título original The Machine that Changed
the World - é um estudo sobre a indústria automobilística
mundial realizado nos anos 80 pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT),
que chamou a atenção de empresas de diversos setores.
No cerne do Lean Manufacturing está a redução dos sete
tipos de desperdícios identificados por Taiichi Ohno: "defeitos
(nos produtos), excesso de produção de mercadorias desnecessárias,
estoques de mercadorias à espera de processamento ou consumo, processamento
desnecessário, movimento desnecessário (de pessoas), transporte
desnecessário (de mercadorias) e espera (dos funcionários pelo
equipamento de processamento para finalizar o trabalho ou por uma atividade
anterior)2". Womack e Jones acrescentaram a essa lista o "projeto
de produtos e serviços que não atendem às necessidades
do cliente2".
Os princípios do Lean Thinking são:
· Especificar o valor - aquilo que o cliente valoriza.
· Identificar o fluxo de valor.
· Criar fluxos contínuos.
· Operar com base na produção puxada.
· Buscar a perfeição.
Já as principais ferramentas usadas para colocar em prática os
princípios do Lean Thinking são:
· Mapeamento do Fluxo de Valor.
· Métricas Lean.
· Kaizen.
· Kanban.
· Padronização.
· 5S.
· Redução de Setup.
· TPM (Total Productive Maintenance).
· Gestão Visual.
· Poka-Yoke (Mistake Proofing).
Nos últimos anos, o número de empresas praticantes do Lean Manufacturig
vem aumentando significativamente em todos os setores industriais e de serviços.
No entanto, vale destacar que a adoção do Lean Manufacturing representa
um processo de mudança de cultura da organização e, portanto,
não é algo fácil de ser alcançado. O fato de a empresa
utilizar ferramentas Lean não significa, necessariamente, que foi obtido
pleno sucesso na implementação do Lean Manufacturing.
A integração entre o Lean Manufacturing e o Seis Sigma é
natural: a empresa pode - e deve - usufruir os pontos fortes de ambas estratégias.
Por exemplo, o Lean Manufacturing não conta com um método estruturado
e profundo de solução de problemas e com ferramentas estatísticas
para lidar com a variabilidade, aspecto que pode ser complementado pelo Seis
Sigma. Já o Seis Sigma não enfatiza a melhoria da velocidade dos
processos e a redução do lead time, aspectos que constituem o
núcleo de Lean Manufacturing.
O programa resultante da integração entre o Seis Sigma e o Lean
Manufacturing, por meio da incorporação dos pontos fortes de cada
um deles, é denominado Lean Seis Sigma, uma estratégia mais abrangente,
poderosa e eficaz que cada uma das partes individualmente e adequada para a
solução de todos os tipos de problemas relacionados à melhoria
de processos e produtos. Várias empresas vêm implementando o Lean
Seis Sigma com sucesso, entre elas Honeywell, Lockheed Martin, Bank One e Caterpillar.
O Design for Six Sigma (DFSS) é uma extensão do Seis Sigma para o projeto de novos produtos (bens ou serviços) e processos, que surgiu na General Electric (GE) ao final da década de 1990. O DFSS pode ser definido como uma abordagem metodológica sistemática, caracterizada pela utilização conjunta de métodos estatísticos e de engenharia. Quando adequadamente empregado, permite que a empresa lance no mercado o produto certo, no prazo mais curto possível e com custos mínimos. A tabela 1 mostra o que o DFSS não é3.
Tabela 1 - As concepções incorretas mais comuns sobre o DFSS3.
O DFSS deve ser usado quando:
· A empresa pretende criar um novo produto ou processo.
· A melhoria do produto ou processo atual, por meio do uso do método
DMAIC e mantendo a tecnologia instalada, já se mostrou insuficiente para
atender às necessidades dos clientes. Neste caso deverá ser feito
um redesenho ou reprojeto do produto ou do processo.
· O processo envolvido já atingiu seu nível máximo
de performance (process entitlement). Por exemplo, se a capacidade máxima
de um processo é produzir 2000 unidades por dia, sendo que já
se opera nesse nível de produção, e se existe a necessidade
de fabricação de um maior número de unidades do produto,
deve-se buscar criar um novo processo para substituir o atual. O nível
máximo de performance do processo deve ser determinado e analisado para
todas as possíveis métricas de interesse, tais como capacidade
de produção, custo da má qualidade, rendimento e tempo
de ciclo.
O método para a implantação do DFSS, utilizado inicialmente pela GE e posteriormente difundido para outras empresas, é denominado DMADV. Esse método, conforme mostra a tabela 2, é constituído por cinco etapas - Define, Measure, Analyze,
Design e Verify - que devem ser executadas pela equipe (multifuncional) responsável
pelo projeto do novo produto. Algumas das principais ferramentas de análise
usadas de forma integrada às etapas do DMADV são: Mapa de Raciocínio,
QFD, Questionário, Pesquisa de grupo-foco, Survey, Amostragem, Modelo
de Kano, Diagrama de Afinidades, Histograma/Boxplot, Testes de Hipóteses/Intervalos
de Confiança, Análise de Conglomerados, Análise Fatorial,
Análise Conjunta, Mapa de Percepção, Benchmarking, Engenharia
Reversa, Mapa de Produto, Análise de Séries Temporais, Análise
de Regressão, TRIZ, Simulação, Engenharia e Análise
de Valor, Design for Manufacturing (DFM), Design for Assembly (DFA), Análise
de Pugh, Planejamento de Experimentos/ANOVA, Design Charter, FMEA/FTA, Análise
de Tempo de Falha, Testes de Vida Acelerados, Mapa de Processo, Carta de Controle
e Índices de Capacidade de Processos.
Tabela 2 - Descrição das atividades do DMADV
Nas palavras de Bob Galvin, ex-CEO da Motorola, a falta inicial de ênfase
do Seis Sigma em áreas administrativas foi um erro que custou à
empresa pelo menos 5 bilhões de dólares em um período de
4 anos. Esse depoimento ilustra muito bem que o Seis Sigma não pode ficar
restrito apenas às áreas de manufatura. No entanto, a implementação
do Seis Sigma em serviços e áreas administrativas é mais
desafiadora, principalmente porque, nesses setores, estão envolvidos
processos de trabalho "invisíveis", cujos fluxos e procedimentos
podem ser facilmente alterados, o que pode dificultar a coleta de dados e a
aplicação de técnicas de análise mais sofisticadas.
Além disso, as ferramentas da qualidade têm maior tradição
de uso em manufatura e do que em serviços. Para que essas dificuldades
possam ser vencidas, é necessário definir os aspectos subjetivos
presentes nos processos de prestação de serviços de modo
claro, mensurável e correlacionado aos objetivos que se busca alcançar
(por exemplo, ter a definição precisa e sem ambigüidades
do que é, ou não, um defeito).
Também é importante que alguns dos primeiros projetos Seis Sigma
tenham como metas os "grandes problemas" da área, os quais
não foram resolvidos em tentativas anteriores - há sempre grandes
oportunidades desse tipo no setor de prestação de serviços.
Um último alerta, no que diz respeito à implementação
do programa em serviços é que se evite a overdose de estatística
- esse é um dos motivos pelos quais os cursos de treinamento para especialistas
do Seis Sigma que atuam em serviços e áreas administrativas devem
ser diferentes dos cursos equivalentes para formação de especialistas
que trabalham em manufatura.
Os exemplos de projetos Seis Sigma em serviços e áreas administrativas
mostram que a implementação do programa é plenamente possível:
· Reduzir em 50% o volume total de produtos não faturados por
incapacidade de atendimento aos pedidos.
· Reduzir em 30% o custo de armazenagem de produtos.
· Eliminar a ocorrência de diferenças entre o valor negociado
com o cliente e o valor na nota fiscal emitida.
· Diminuir em 50% o custo do frete proveniente de pedidos recusados pelo
mercado.
· Reduzir em 50% o prazo de entrega de peças de reposição
para as regiões sul e sudeste dos itens A.
· Reduzir em 30% os custos dos estoques de itens indiretos na unidade.
· Aumentar em 50% o índice de satisfação dos consumidores
em relação ao atendimento da Rede Autorizada.
· Eliminar as perdas por pagamento indevido de produtos do tipo X rejeitados
no mercado de revenda.
· Reduzir em 50% o índice de troca em garantia.
· Reduzir em 50% o tempo de fechamento dos balanços contábeis.
· Reduzir em 40% o tempo de ciclo do processo de pagamento a fornecedores.
· Reduzir em 50% os custos de transações financeiras eletrônicas.
Para a implementação do Seis Sigma nas pequenas e médias
empresas é especialmente importante que sejam tomados todos os cuidados
para garantir os seguintes aspectos:
· Elevado patrocínio dos dirigentes.
· Resultados dos projetos traduzidos para a linguagem financeira.
· Adequado tempo de dedicação dos especialistas ao desenvolvimento
dos projetos.
· Primeiros resultados concretizados no curto prazo.
O atendimento ao quesito adequado tempo de dedicação dos especialistas
ao desenvolvimento dos projetos é bastante crítico nessa situação,
já que é comum que os profissionais exerçam simultaneamente
diversas funções, o que dificulta sua focalização
na execução dos projetos Seis Sigma. Vale notar que, para uma
pequena ou média organização, poderá ser inviável
realizar o treinamento para uma turma constituída, exclusivamente, por
seus profissionais. Nesse caso, a empresa poderá participar de um treinamento
do tipo multiempresas.
No entanto, para que esse tipo de programa de formação tenha
sucesso, a estrutura do curso, o conteúdo programático e a assistência
ao desenvolvimento dos projetos devem seguir o mesmo padrão utilizado
nos treinamentos regularmente oferecidos a empresas de grande porte. Ou seja,
as fases de indicação de candidatos, definição de
projetos, oferecimento do curso para formação dos especialistas,
orientação aos projetos práticos e certificação
devem fazer parte do treinamento multiempresas.
Hoje está muito claro que o Seis Sigma não se tornará
obsoleto, existindo o consenso de que o programa - quando ele realmente apresenta
os requisitos necessários para receber a denominação "Seis
Sigma" - "veio para ficar", não sendo apenas mais uma
moda passageira na área da qualidade. O Seis Sigma é uma estratégia
gerencial para a melhoria do desempenho do negócio e, como sabemos, a
necessidade de melhoria sempre existirá.
Não podemos deixar de lembrar que o Seis Sigma já existe há
19 anos, a partir de seu nascimento na Motorola, e que vem sofrendo aprimoramentos
desde então, sendo adotado por um número cada vez maior de organizações.
O lançamento da ASQ Six Sigma Forum Magazine, a implementação
do ASQ Six Sigma Forum, a instituição do exame da ASQ para certificação
de Black Belts e o sucesso de sites como o www.isixsigma.com também são
indicadores da consolidação mundial do Seis Sigma.
Comentários e referências
1) Womack, James P.; Jones, Daniel T. A Máquina que Mudou o Mundo (Rio
de Janeiro: Elsevier, 2004), 342 p.
2) Womack, James P.; Jones, Daniel T. A Mentalidade Enxuta nas Empresas: Elimine
o Desperdício e Crie Riqueza (Rio de Janeiro: Elsevier, 2004), p. 370.
3) A figura 1 foi construída a partir de uma tradução livre
de Berryman, M.L., "DFSS and Big Payoffs", Six Sigma Forum Magazine,
2(1), 2002, p.25.
Cristina Werkema é diretora da Werkema - cristina@werkemac.com.br