É possível medir o comportamento humano
com uma régua?
Luis Felipe Cortoni
"Há uma série de fenômenos de grande importância
que não podem ser registrados (ou compreendidos) através de documentos
quantitativos, mas que devem ser observados em sua plena realidade" (Bronislaw
Malinowski). Este conhecido antropólogo coloca nesta frase uma questão
muito premente no ambiente organizacional contemporâneo: é possível
medir as mudanças do comportamento humano? Por ele a resposta a esta
pergunta seria não, só é possível percebê-las
de uma outra forma.
Na verdade, parece que há por trás desta questão uma lógica
que tem crescido em peso e legitimidade nas empresas hoje: a lógica financeira.
Esta "força" tem invadido e condicionado grande parte das ações,
políticas e estratégias organizacionais nos últimos tempos,
tornando tudo a sua semelhança. Sempre esteve presente, mas nunca com
tal força e poder de pressão: ou o resultado financeiro é
mensurado e aparece, ou nada fará sentido na empresa. Tem aparência
de uma lógica reducionista, porém tem sido disseminada como o
sentido da existência organizacional e da sobrevivência do acionista.
Como conseqüência, tudo deve e pode ser traduzido em indicadores
mensuráveis que serão os sinalizadores da saúde organizacional
numérica.
Afinal o que isto tudo tem a ver com o comportamento humano? Partindo da mesma
lógica, que serve para os resultados objetivos, gestores e profissionais
nas empresas, tomados pela mesma "febre", entendem que o comportamento
humano também pode ser medido e classificado segundo certos indicadores
financeiros e/ou técnicos. Por exemplo, depois de um treinamento dito
comportamental, onde se gastou tempo e dinheiro (dizem eles) quais são
as mudanças quantitativas, portanto traduzíveis em números,
que serão observadas no comportamento humano, para que se possa fazer
o cálculo do retorno investido pela empresa nesta atividade?
À primeira vista, a questão parece legítima, porém
está invertendo a lente da compreensão ou, dito de outra forma,
quer medir o peso de algo com uma régua. Felizmente o comportamento humano
muda e melhora sem dúvida, porém de acordo com uma lógica
um pouco diferente daquela utilizada para entender e medir atividades técnicas
na organização. É um fenômeno diferente e portanto
deve ser entendido da mesma forma.
No exemplo citado do treinamento, pode-se conseguir uma medida qualitativa do
tipo antes e depois, mas sempre de forma indireta, ou seja, apontando aspectos
da organização que se modificam com uma mudança comportamental:
clima de trabalho, relações interpessoais, ou ainda nível
de conflito interno em uma equipe. Medidas desta forma as mudanças de
comportamento parecem não interessar ao quadro de indicadores financeiros,
mas ajudam na percepção de outros resultados não menos
importantes tais como a saudabilidade do ambiente de trabalho organizacional.
Existe, ainda, mais uma importante questão metodológica envolvida
no exemplo do treinamento. Como isolar "uma única variável"
que teria exercido o efeito de mudança no comportamento de todas as pessoas
que participaram dele? Quem pode dizer com segurança metodológica
que variável é esta? Caso contrário, se houver outras variáveis
que influenciem o comportamento do treinando quando ele retorne ao trabalho
(o que é bem provável que aconteça) como isolá-las
para poder medi-las com a comprovação numérica desejada
indicando a eficácia do treinamento aplicado? Não é necessário
continuar, é óbvio que o problema é complexo e não
será resolvido da maneira que está sendo tentada atualmente.
No entanto, porque será que muitos ainda insistem nesta tecla? Porque
deve haver controle e medição sobre as mudanças do comportamento
de pessoas? Não será possível lidar com a contribuição
humana de outra forma? Visto desta ótica o problema passa a ser outro.
A criatividade, a inovação e até mesmo a produtividade,
aspectos da sobrevivência das empresas hoje tem, lá no fundo, uma
imprecisão humana que é inexplicável, ou pelo menos não
mensurável.
Aquilo que muitos dizem pejorativamente ser interferência do "fator
humano" produz, por outro lado, resultados positivos, concretos e necessários
às organizações. Talvez este fosse o campo que devesse
ser melhor compreendido por gestores e profissionais em geral: como criar condições
para que o elemento humano possa produzir mais, melhor, por mais tempo e com
saúde física e mental. Ou seja, como criar sustentabilidade de
resultados organizacionais pela via da contribuição humana. Ou
será ao contrário: como garantir sustentabilidade humana para
os resultados organizacionais?
Não será controlando ou medindo que esta compreensão surgirá
no ambiente de trabalho. Quanto mais os gestores se aproximam de números
e de indicadores financeiros, mais se afastam das pessoas. Quanto mais as tabelas
excell aparecem nas telas, menos as pessoas serão compreendidas como
recursos de resultados exponenciais.
Luis Felipe Cortoni é professor da Fundação Vanzolini
(USP) e sócio-diretor da LCZ Desenvolvimento de Pessoas e Organizações
- www.lczconsultoria.com.br